sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Uma bela tarde de domingo !

Em minha profissão não podemos escolher dia para trabalhar. Durante a semana o movimento é bom, nos finais de semana também, nos resta trabalhar os sete dias da semana. Todos com seus motivos especiais. Segunda, porque é segunda, terça, sexta, finais de semana, porque as pessoas precisam passear, sair, divertir-se. É amigo (famosa locução do Sr. Galvão Bueno ...hehehe... ?? ! ??) é a minha nada mole vida. Mas gosto do faço, sou bem remunerado pra isso, então, deixo de maiores delongas e vamos ao fato ocorrido.
Nesta tarde de domingo, passei por momentos de sufoco. Estava eu e a "laranjinha" lagartiando (para quem não teve o prazer imenso de nascer no RS e ter a honra de ser gaúcho, lagartiar é tomar um solzinho no inverno rigoroso que temos por aqui), eis que surge uma passageira. Morena, alta, cabelos longos lisos, olhos verdes, usando camisa branca, jeans, tênis.
Não reparamos "tudo" desta maneira, até mesmo por ser nossa conhecida e cliente do ponto, mas esta "guria" chamava a atenção por ser uma bela prenda. Solicitado fui, para que subisse a serra em direção a ponte do Vale do Menino Deus, conhecida popularmente como "Garganta do Diabo" na divisa de Santa Maria e Itaara, sendo esta um viaduto em curva com uma bela paisagem e vista com seus 76 metros de altura.
Mas ocorre que este local também é o preferido das pessoas que desejam por fim em seus dias. Inúmeras histórias conhecidas desde 1960 que acabou virando local predileto dos suicídas. No mesmo instante que a "guria" pediu-me para levá-la até a ponte, assustado perguntei o que ela faria lá. Disse-me ela que iria até uma chácara próximo da ponte onde seus amigos estavam reunidos. Ufa!!!! Aliviado pela explicação, seguimos então o caminho até ponte.
Do ponto onde trabalho até lá, cerca de 14 km´s. Céu azul, poucas nuvens, um sol maravilhoso ajudava a esquentar um pouco o vento gelado que enfrentávamos pela estrada. Eu, feliz da vida, além de ser uma boa corrida para um domingo, o caminho é muito bonito e estaria unindo o útil (R$) ao agradável (passeio). Mas cerca de 20 minutos de andanças entre meu ponto e a subida de serra passamos por algumas chácaras que são conhecidas. Entradas na beira do asfalto que sabemos que chegam a chácaras lindas entre os morros. Só que passamos todas as entradas conhecidas. E depois da última, sabia que só a ponte nos aguardava. Diminuí a velocidade e entrei no acostamento, onde rodando em baixa velocidade perguntei a ela onde era a tal chácara. Ela respondeu calmamente que poderia deixá-la ali mesmo. Meio sem saber o que fazer, acabei parando, ela desceu, pagou-me a corrida e continuou seu trajeto subindo a serra a pé pelo acostamento. Coloquei seu capacete no banco e subi na "Orange" (Atá... o gaúcho aqui agora vai se fresquiá, com inglês) para fazer o caminho de volta ao meu ponto.
Fiquei por alguns longos segundos olhando aquela guria subindo e seguindo em direção a ponte, que da onde estávamos teria mais uns 700 metros, talvez um pouco mais. Então, começei a descer a serra e aquela imagem não me saiu da cabeça, onde várias perguntas começaram a me perseguir. Pôxa, pra onde ela vai, como conheço o local sei que não tem mais chácara alguma pra lá.
Tem a "famosa" ponte e só. Será que ela vai tentar? Ai ai aiiiii... é só o que me faltava agora. O que eu faço? Volto lá e falo com ela? E se ela se jogar na frente de um caminhão, um carro, sei lá. Aí sim quem vai ficar enrolado sou eu. Mas ela não vai ter coragem suficiente para se jogar de lá. Será que não? Nem conheço direito a pobre. Vai ver ela resolveu apertar aquela famosa teclinha do f...-se. Tenho que fazer algo. Então em breves minutos, desci o mais rápido que pude a serra até chegar no posto da Polícia Rodoviária Federal, onde entrei em alta velocidade. O policial quase saiu me prendendo...hahaha... pelo jeito que entrei no local.
Começei a explicar para ele o que tinha acontecido. Rapidamente ele entra na viatura e foi em direção da ponte. Identifiquei-me para o outro policial que estava no posto e deixei um cartão do ponto com meu telefone para que me ligasse se fosse preciso. Continuei meu caminho. Voltei pra o ponto e não conseguia pensar em outra coisa se não o fato ocorrido. Passados uns 15 minutos peguei o telefone e liguei para o posto policial me identifiquei e por sorte atendeu-me o mesmo policial da viatura a qual informou-me que tinha conseguido pegar a moça já na ponte. Não sei o que ocorreu lá, como foi a situação de falar com ela, convencê-la a entrar na viatura, mas o que interessa mesmo é que ela estava bem e num local seguro.
Prontifiquei-me ir buscá-la, pois ela era nossa cliente e sabíamos onde ela morava com seus pais. Mas tudo já tinha sido resolvido e os pais dela já tinham sido avisados e estavam se deslocando até o posto policial. Depois de alguns meses, nos encontramos no posto de combustíveis que tem ao lado do ponto onde trabalho, onde de forma muito carinhosa ela me agradeceu pelo que fiz e pediu desculpas pelo acontecimento todo dizendo-me que estava muito feliz e que sempre teve vontade de falar comigo mas que tinha vergonha dos fatos ocorridos naquele dia. Atualmente ela ainda continua sendo nossa cliente, só que raramente precisa dos nossos serviços, está casada, com uma filhinha linda e continua morando aqui no bairro.
Quem de nós nunca pensou em tomar uma atitude assim? Momentos ruins, situações onde achamos que a única solução, ou a mais rápida, é acabar com a própria vida. Instantes decisivos onde achamos que temos o direito de fazê-lo. Só que não lembramos do sofrimento que causaríamos a todos. Pais, amigos, parentes, filhos, amores, enfim, pessoas que se importam e desejam nosso bem e que sejamos felizes. Um instante de egoísmo e pronto. Arrependimento depois?
Tarde demais, tarde demais.... e aquela tarde de domingo ensolarada e fria ficaria jamais esquecida por todos.

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